quinta-feira, 4 de julho de 2013

4. CRÔNICA: SANTA PACIÊNCIA

(por Raquel Lisboa)


          Paciência é um dom que todos deveriam ter. Concordo. 
Só que dependendo das circunstâncias da vida, ela acaba, ou melhor, esconde-se.
Com a sua ausência, falamos o que não devemos, fazemos o que não é para fazer, enfim. Bem aventurado as pessoas que tem esse precioso talento.
          Conheço alguém que é paciente até demais. Seu nome é Maria.
Nunca vi um ser com tamanha calma. Somos amigas. Ela tem dois irmãos que bebem todos os dias do ano, sete por semana e trinta por mês.
         Tudo bem... Não convém exagerar. Eles ficam sóbrios de vez em quando, cerca de trinta ou quarenta minutos, a cada dois anos.
Apresento-lhes: Dú e Lemão.
         Dú é um sujeito quarentão, magro, magro e magro. Quando bebe cachaça, fica valente que só ele... Torna-se encrenqueiro, respondão e insuportável. Ele é daquele tipo que reclama de tudo, tipo:
- Porrr que o Leite é brrrrannnnco? Porrr que o céu tááá azul, hein? PORRR QUÊ, HEIN? FALA! FALA SENÃO...
E se não responder, ele quer bater. Folgado, folgado e folgado:
-Quem manda aqui sou eu! Eu mando nesse lugar... Tudo aqui é meu!
Sujeitinho chato viu!
          Bem... Lemão, embora mais encorpado, é um pobre coitado que só apanha do Dú. Sempre quieto, não mexe com ninguém. É daqueles que bebe pinga e dorme. Boa gente, pena que tenha esse maldito vício.
          Lembro-me que um dia, os dois pegaram uma briga e somente eu presenciei a cena. Enquanto o Lemão batia no Dú (pela primeira vez), eu fiquei quietinha pensando (bem feito, bem feito!)
          De repente, o Dú revidou e era Lemão quem apanhava... Rapidamente, gritei no quintal:
-Acode aqui que o Dú vai matar o Lemão.
Aglomerou-se uma multidão.
          Foi quando o irmão mais novo, o Nenê, separou a briga ao dar uns sopapos no Dú. Logo, a Maria – a voz da paciência – chegou toda descabelada, descalça e sem dentadura, para estragar tudo:
-Nenê, não faça isso... Não vê que você poderá matá-lo... (que raiva!) – resmungou vagarosamente.
Eu pensava: “bate mais, bate mais”.
          Nenê respondia segurando o Dú pelo colarinho:
-Fique tranquila que não irei matá-lo, não... Só vou quebrar o nariz dele...
Eu pensava: “quebra, quebra mesmo, não dê ouvidos a ela!”.
          Não gostei da intervenção da Maria. Não que quisesse que o nariz do infeliz fosse quebrado, mas era hora de alguém dar uma boa lição nele. Nisso, a minha querida amiga e vizinha, falou calmamente:
- Vocês são irmãos. Se agirmos da mesma maneira, nos rebaixaremos tanto quanto ele... Onde está o amor? A compreensão? A tolerância?
          Engoli seco. Ela estava certa e envergonhei-me por desejar mal ao pobre Dú. Minha consciência pesou tanto, que quase fiquei sua amiguinha. Até dei dois reais que tinha no bolso para ele comprar um doce. (sei... ele comprou pinga, mesmo!).
          Era tarde. Eu morava no mesmo quintal que a Maria e fui dormir pensando no quanto a alma dela era nobre.
No dia seguinte, por volta das 07: 00 h, ouvi muitos gritos. Levantei-me sobressaltada, vesti-me rapidamente para verificar o que acontecia lá fora.
         Subi as escadas, deparei-me com Dú que corria desesperado - por pouco não tropeçou em mim - e com a Maria que segurava uma vassoura. Ela o seguia, gritando e maldizendo.
-Espere seu bêbado sem vergonha! Vou dar-lhe uma lição!
Fiquei pasma. Esfreguei os olhos e até me belisquei. Não era sonho e eu estava bem acordada.
 Alguns minutos depois, a Maria retornou com a vassoura quebrada e voz arrependida:
-Justo a minha vassoura nova...
Somente depois daquele dia, compreendi com clareza o significado daquele velho ditado: “Paciência tem Limite”.
É. Realmente... Tem mesmo.

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Imagens retiradas de: http://br.freepik.com

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8 comentários:

  1. Pior de tudo, escritora Raquel, que encontramos muitos nesse mundão da cachaça. Ri um bocado.

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    1. Nem me fale, caro Sálvio... Somente quem tem um "bêbado" na família, sabe o quanto é complicado e, dependendo das circunstâncias, até engraçado lidar com eles... Eu ri muito quando isso aconteceu e rio tudo de novo a cada vez que releio essa crônica!

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  2. E aproveitando, faço mais um elogio e muito sincero.
    Gostei muito da sua organização e do cuidado com a apresentação dos seus textos, com imagens principalmente.
    Mas parabéns mesmo, é pela sua preocupação de dar crédito para quem merece.
    Aprendi.
    Um abraço

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    1. Muito obrigada pelo elogio, caro escritor Sálvio! Eu gosto das imagens porque dá uma certa "animação" na narrativa, mas nem sempre encontro algo na net que combine com os meus textos. Gosto de dar os créditos e indicar a fonte, porque se alguém precisar, saberá onde encontrar... Abraços! É sempre um grande prazer, receber a sua visita!

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  3. Raquel, suas crônicas são hilárias... É muito difícil não rir :)... Parabéns, menina!

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    1. Obrigada Max! É sempre um grande prazer receber a sua visita e comentários!!!! Engraçado como a nossa escrita assume várias formas... Quem me conhece pelas crônicas, que são recheadas de humor, não imagina que o drama também está presente em meu estilo... Você que leu o livro Mulher de Honra sabe exatamente o que quero dizer. Quer saber de uma coisa? Qualquer dia desses eu escreverei uma comédia romântica... Aguarde!

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  4. É verdade!... Você desfila com grande competência entre os dois estilos (o que é pouco comum entre escritores). Geralmente quem faz rir, não consegue fazer chorar... Parabéns!!... Você é muito talentosa!

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    1. Mais uma vez obrigada, talentoso escritor e querido amigo, Max! São pessoas como você que me animam a continuar escrevendo. Não por elogiar a minha escrita, mas pela sinceridade que sinto em suas palavras...

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